APANHEM-NO SE AINDA PUDEREM
Na quarta-feira passada estava farto de não fazer nada e resolvi convidar o meu sobrinho Edgar Augusto para ir ao cinema, lá no centro comercial onde ele finge que trabalha. O rapaz não é muito falador mas, no seu jeito meio retardado, costuma ser boa companhia.
Estavam dois filmes em cartaz: "Radical" e "Apanha-me se puderes". O Edgar, por razões óbvias, queria ver o primeiro. Eu, por razões sentimentais (que mais à frente irei descrever), comprei bilhetes para o segundo.
"Apanha-me se puderes" é um filme de época mas é também um filme da nossa época. Apesar da acção se passar toda nos anos 60, o filme é deliciosamente contemporâneo na sua amoralidade. Já há muito tempo que não torcia tanto para que um criminoso conseguisse escapar às malhas da lei. Na realidade, desde que a Winona Ryder foi apanhada a roubar no Saks Fifth Avenue. A explicação é que o protagonista deste filme não é um criminoso qualquer - é o Leonardo DiCaprio, num registo tão doce que chega a ser enjoativo.
Quais são então os crimes do Leo? Em resumo, todos aqueles que qualquer um de nós gostaria de cometer, se tivesse coragem e imaginação para isso. Por exemplo, sacar quatro milhões e meio de dólares em cheques falsos a filiais bancárias dirigidas por gerentes calculistas e antipáticos; disfarçar-se de piloto de avião para poder viajar à borla para todo o lado; fingir-se de médico para passar as noites num grande hospital a namorar com a enfermeira de serviço; ser contratado como advogado pelo próprio promotor de justiça de Nova Orleães (depois de lhe ter papado a filha); e, "last but not least", passar uma noite com uma lindíssima prostituta de luxo, pagar-lhe com um cheque falso e ainda receber troco. Com um rol destes, é discutível se ele merece uma pena de prisão ou uma medalha de mérito.
O mais curioso é que tudo isto é inspirado pela história verídica de um tal Frank Abagnale Jr., que cometeu estas proezas antes de ter feito 21 anos. Pouco mais ou menos a idade com que o Edgar Augusto conseguiu terminar o 9º ano e entrar para estagiário no Joshua's Shoarma.
No filme, o Leonardo aprende tudo o que precisa saber sobre as suas várias profissões assistindo a séries de televisão. Isso só veio confirmar a minha opinião de que os cursos universitários estão altamente sobrevalorizados e de que em vez de carregar nas propinas o governo devia era repôr a taxa de teledifusão. Quem é que precisa de cursos de Biologia Marinha se tem o "Saber Amar" para aprender a tratar dos golfinhos? Doutoramentos em História - não é preciso, basta qualquer série do Moita Flores. E para tudo o resto, sessões contínuas de "O elo mais fraco" e do "People and Arts".
Tom Hanks faz o papel de Carl Hanratty, o agente do FBI especializado em falsificações e burlas bancárias que toma o Leonardo de ponta e o persegue até conseguir prendê-lo. Neste filme ele prova mais uma vez como é bom actor, construindo um personagem totalmente antipático: é picuinhas, tirânico para os colegas, totalmente desprovido de senso de humor e vive apenas para o seu trabalho. Se fosse mulher seria logo ministra das Finanças. O Tom Hanks só começa a ser ele próprio quando descobre que o burlão que persegue, afinal, não passa de um adolescente. Aí vêm-lhe ao de cima os instintos paternais e nós ficamos na dúvida se ele quer prender o Leonardo ou apenas cortar-lhe a semanada.
O terceiro papel fundamental deste filme é o do pai do Leo, Frank Abagnale, Sr., interpretado - genialmente - por Christopher Walken, um dos maiores actores da sua geração. Aqui ele é um pequeno comerciante que, depois de um começo de vida promissor (se é que ser membro vitalício dos Rotários pode ser assim considerado), se vê cruelmente perseguido pelas finanças só por causa de uma minúscula burlazita fiscal (o filme é amoral, disse eu...). À sua derrocada profissional segue-se o divórcio e o desgraçado acaba sozinho, infeliz e a trabalhar como segurança. Esta parte o Edgar não percebeu - porque é que ele se sentia tão miserável se trabalhar na Securitas é tudo o que o meu sobrinho deseja da vida.
Nathalie Baye, a actriz francesa que recordamos de... deixa ver... umhhh... na realidade, não a recordamos de lado nenhum... interpreta o papel de Paula Abagnale, a mãe de Leo. Em "Apanha-me se puderes" ela dança bem, seduz o marido, fuma muito, trai o marido - uma verdadeira francesa, portanto.
Para tornar o filme ainda mais levezinho, e o Leonardo ainda mais irritantemente simpático, o guião escrito por Jeff Nathanson mostra que o divórcio dos pais é a causa de todas as tropelias que o jovem Abagnale passa a fazer. Quanto a mim isto é um golpe baixo - quem é que não empatiza com um adolescente que vê acabar abruptamente o casamento dos pais? Especialmente se esse adolescente tem os traços perfeitos e os olhos de cachorrinho abandonado do Leonardo DiCaprio...
Mas o Steven é useiro e vezeiro nestas maningâncias, por isso não lhe podemos levar a mal. E está na altura de contar porque é que eu escolhi ver este filme "por razões sentimentais". Quando trabalhei com o Steven no filme "Tubarão", em 1975, era suposto entrar numa cena de praia - aquela em que toda a gente foge da água aos gritos. Como sempre fui um actor "do Método" resolvi bronzear-me para me ver melhor no personagem. Acabei por adormecer ao sol e apanhei um escaldão tão grande que me vi foi no hospital. O Steven - e eu fico sempre comovido quando conto esta parte - mandou-me um ramo de flores e um tubo de vaselina. A enfermeira gostou tanto das flores que eu acabei por dar à vaselina um uso que o Spielberg não tinha certamente imaginado.
Voltando ao filme - o Spielberg optou desta vez por fazer um filme completamente diferente dos seus outros, e principalmente do anterior, o "Minority Report". Se pensarmos bem, "Apanha-me se puderes" e "Minority Report" são exactamente o simétrico um do outro. Um é passado há uns anos atrás, o outro daqui a uns anos; num o herói chora a perda dos pais, no outro sofre a perda de um filho; no primeiro tudo é belo e luminoso, no segundo tudo é sombrio e miserável; neste o Leonardo está com melhor aspecto do que nunca, no outro o Tom até toma drogas. A única semelhança é que ambos passam o tempo todo a fugir e usam o mesmo dentista.
A reconstituição de época é perfeita, pelo menos para quem tenha uma imagem da América dos anos 60 formada com base nos anúncios dos dentífricos Colgate, dos sabonetes Lux e dos descapotáveis Chevrolet. Tudo é muito limpo, muito brilhante, muito novo e muito inocente. Estamos sempre à espera que surja o packshot com o logotipo da Coca-Cola.
Só quando o Leonardo é preso - em França, calcule-se !!! - é que tudo fica de repente baço, sujo e deprimente. No hexágono o Leo tem ataques de tosse, deixa crescer o cabelo e até passa a suar.
O que me leva a uma última consideração - a história do divórcio dos pais do Leonardo presta-se a uma leitura geo-estratégicamente relevante. Senão veja-se: o pai, um verdadeiro americano, tem um amor imenso pela mãe, francesa até mais não. Quando as coisas dão para o torto a mulher arma-se em Chirac e trai-o com o chefe dos Rotários, que não usa bigodes mas tem uma arrogância tipicamente "saddam-husseiana". E o pobre Leonardo, qual secretário-geral da ONU, passa a andar em bolandas para tentar conciliar os dois. É certo que no filme o pai morre, o Leonardo é preso e a mãe e o amante casam e vivem felizes para sempre. Na vida real já não tenho a certeza que tudo se vá passar exactamente assim, mas pronto...
No final do filme eu e o Edgar fomos comer uma pizza de atum. O rapaz, que tem uma fixação na Bárbara Guimarães, perguntou-me se eu achava que ele conseguiria passar por ministro da cultura. Eu disse-lhe que se o José Sasportes tinha conseguido, para ele também seria canja. Ou, como nós dizíamos lá em Hollywood, "it would be chicken soup".
OS FILMES DO JOHN
As críticas de cinema de John Snows, ex-namorado das estrelas de Hollywood
segunda-feira, março 10, 2003
sexta-feira, março 07, 2003
MENINOS DO RIO
O meu sobrinho Rui Oscar, de oito anos, chegou esta semana a casa com dois bilhetes para o filme "Cidade de Deus", que alegadamente lhe teriam sido oferecidos pela sua catequista. Como a senhora nunca tinha sido tão generosa com os irmãos, só encontrei duas explicações possíveis para a situação: ou o Ruizinho os tinha roubado; ou a catequista lembrou-se dele porque o filme era exibido por uma associação chamada Zero em Comportamento.
Quando o miúdo mostrou os bilhetes aos pais eles arranjaram imediatamente vários compromissos importantíssimos que os impediam de ir com ele, do tipo "organizar a dispensa por ordem alfabética". Nessa altura o miúdo parou de pintar graffittis na parede da sala e olhou para mim. Não percebi bem se o olhar era de súplica, ou simplesmente de ameaça, mas achei melhor oferecer-me para o acompanhar.
Os bilhetes eram para a sessão das 21.45h, o que nos deu tempo para parar num McDonalds e falar um pouco de cinema. Fiquei a saber que os seus filmes favoritos eram o "Evil Dead" ("por causa do sangue"); o "Predador" ("por causa do sangue"); e o "Toy Story" ("por causa do sangue"). Como eu fiquei um bocado baralhado com este último, ele explicou-me que tinha sido nesse filme que a sua irmã Ruth Sónia se tinha menstruado pela primeira vez.
O centro comercial onde se situa o Cine 222 estava a abarrotar de gente, o que me deixou um pouco surpreendido. Eu nunca tinha ouvido falar no filme, nem no realizador, mas uma rapariga simpática, com ar de estudante universitária, forneceu-me algumas pistas: "Cidade de Deus" é um filme brasileiro que tem tido sucesso um pouco por todo o lado; recebeu o Globo de Ouro para melhor filme estrangeiro; o realizador, um tal Fernando Meirelles, vem da publicidade. Tenho a certeza de que ela teria continuado a contar-me coisas interessantes se o Rui Oscar não lhe tivesse dado um beliscão no traseiro.
Como estas sessões não têm lugares marcados eu e o meu sobrinho acabámos por ficar separados, o que não me pareceu nada mal. Ele ficou sentado ao lado da Bárbara Guimarães e do nosso ex-ministro da Cultura e eu fiquei sentado entre uma brasileira bonita e um estudante cabeludo da ETIC. Estava a tentar meter conversa (com a brasileira, claro) quando as luzes se fecharam e, depois de uma curta-metragem chamada "Palace - II", começou a projecção do filme.
Comecei logo a ter sérias dúvidas sobre a sanidade mental da catequista do Rui Oscar. Cada cena que passava mais parecia um novo capítulo de um manual de iniciação ao crime. A cabeça do miúdo parou subitamente de se mexer de um lado para o outro e eu, em pânico, percebi que ele estava a prestar atenção a tudo. Muita atenção...
A minha nova amiga brasileira ajudou-me a traduzir a gíria carregadíssima dos personagens. A acção de "Cidade de Deus" passa-se num bairro social nos arredores do Rio de Janeiro, atravessando as décadas de 60 e 70, até ao início dos anos 80, altura em que essa favela se tornou o local mais perigoso do Rio - quase tão perigoso como o IC19 em dia de chuva.
O nome dos protagonistas é todo um programa: Busca-pé, Mané Galinha, Cabeleira, Marreco e Alicate (o Trio Ternura), Filé com Fritas, Cenoura, Dadinho...aliás "Dadinho o c******, o meu nome é Zé Pequeno"... e Bené.
Resumindo a história em poucas palavras - Dadinho... aliás "Dadinho o c******, o meu nome é Zé Pequeno"... e Bené começam cedo uma vida de crime e acabam por se tornar os bandidos mais sanguinários do Rio de Janeiro. Mas como os jovens nunca estão satisfeitos, os dois resolvem tomar conta do tráfico de droga na Cidade de Deus, o que acaba numa guerra violenta contra o bando do Sandro Cenoura. Este conta com a ajuda de Mané Galinha, um pacato cidadão convertido em anjo vingador. Tudo isto é-nos narrado por Busca-pé, um jovem sossegado que sonha com ser fotógrafo e acaba por ter nessa guerra a sua grande oportunidade.
Adorei "Cidade de Deus". É um filme perfeito nas suas opções estéticas, na sua estrutura narrativa retorcida, até na sua violência estilizada. E quando eu digo violência, quero mesmo dizer VIOLÊNCIA. Há tanto sangue a correr neste filme que deve ter entrado directamente para o top das preferências do meu sobrinho.
Mas essa violência não é gratuita, da mesma maneira que não o era em "Goodfellas" ou "Casino", do meu amigo Martin Scorcese, ou no "Pulp Fiction" do meu camarada Tarantino. E a comparação com estes nomes também não é gratuita. Eu, que já trabalhei em vários filmes de ambos, posso afiançar que "Cidade de Deus" não fica atrás de nenhum deles.
O Fernando Meirelles tem um talento enorme ("um puta talento" - dizia a minha amiga quase íntima) e deu-lhe largas neste filme, usando desde os recursos mais tradicionais às soluções mais arrojadas. Vê-se bem que ele é um realizador de publicidade (sem qualquer sentido pejorativo, antes pelo contrário).
Aliás, quando saí do filme, comecei a imaginar os próximos anúncios de Fernando Meirelles. Por exemplo: uma dona de casa sai de casa com o marido; um carro dobra a esquina em alta velocidade, fazendo guinchar os pneus; três moleques penduram-se para fora do carro e disparam rajadas de uzi, acertando no homem; o sangue espirra e mancha a camisa branca da mulher - "E agora, como é que eu vou tirar estas nódoas difíceis?".
Ou então: a fachada de um hipermercado; as portas abrem-se e sai a multidão a correr, em pânico; um grupo de moleques surge, com armas e sacos de plástico cheios de compras. A assinatura - "Mais barato, só roubando".
Voltando ao filme: o aspecto mais impressionante de "Cidade de Deus" é que é baseado em histórias verídicas, quase todas elas protagonizadas por crianças, adolescentes e adultos muito jovens. Uma espécie de "Capitães da Areia" em esteróides. O guionista, Bráulio Mantovani, fez um trabalho brilhante para conseguir colar todas estas histórias - e são muitas - num relato homogéneo, riquíssimo de detalhes, onde as cenas violentas, por vezes chocantes, se sucedem (não, não estou a falar do noticiário da TVI). Todo o filme é um longo flashback narrado a partir da cena inicial. Os vários enredos cruzam-se e descruzam-se, personagens que são secundários nuns aparecem como centrais noutros, para depois desaparecerem e voltarem a aparecer mais tarde. É uma história quase tão complicada quanto a do sósia do Carlos Cruz, mas bem contada.
Não é só o guião que é exemplar. A banda sonora é um sonho. A montagem deveria ser de estudo obrigatório em todas as escolas de cinema. A fotografia é um portento. Até os dentes dos actores são perfeitos.
E por falar em actores - que espanto! Será que as televisões portuguesas tem de começar a fazer castings para as telenovelas no Bairro do Relógio, na Damaia e na Costa da Caparica? A Márcia (a minha nova namorada brasileira) explicou-me que o Fernando Meirelles montou uma escola numa favela, com a benção dos traficantes locais (conhecendo as equipas de cinema, aposto que o consumo aumentou muito durante esse período), para ensinar, seleccionar e ensaiar os actores jovens que entram no filme. O resultado valeu a pena: a taxa de assaltos nas praias do Rio diminuiu certamente durante alguns meses e o cinema ganhou uma galeria de momentos inesquecíveis.
Uma das grandes virtudes de "Cidade de Deus" é que, apesar da temática pesada, nunca se torna chato ou doutrinário. O filme está cheio de cenas de humor, com diálogos impagáveis e réplicas perfeitamente hilariantes. Na realidade, foi por causa duma dessas cenas que a noite não acabou bem entre mim e a Márcia. A certa altura um dos personagens diz, desapontado, a propósito da sua primeira relação sexual, "cara, eu acho que jornalista não sabe trepar...". Eu ri às gargalhadas e só quando vi o ar sério da Márcia é que percebi que não lhe tinha perguntado qual era a profissão dela.
No fim do filme o Rui Óscar perguntou-me se podia receber uma pistola de 9 mm verdadeira no Natal. Eu disse-lhe que sim, desde que se portasse bem até lá. Nestes últimos dias o miúdo tem andado um anjo, de tal forma que os pais até vieram falar comigo. Eu disse-lhes para agradecerem à catequista por ter oferecido os bilhetes. O pior é que quando chegar o Natal vou ter de me pôr a pau. Ou, como nós dizíamos lá em Holywood, "I'll have to put myself at a woodstick".
terça-feira, fevereiro 25, 2003
ESQUEÇAM TUDO O QUE LHES DISSERAM
Uma palavrinha antes de passarmos ao que interessa: não vou falar das minhas ex-namoradas americanas. Não vou! Quanto muito, posso dar uma pistazita ou outra. Por exemplo, se eu quisesse contar alguns segredos acerca da actriz com quem contracenei numa cena de multidão de "A Star is born" - não quero, mas se quisesse - eu nunca diria "a Barbra Streisand"; diria sim "aquela cantora feiosa do nariz grande". É claro que os leitores podiam pensar que eu me estava a referir à Liza Minnelli, ou mesmo à Dulce Pontes, mas isso é um risco que um cavalheiro tem de correr.
Agora sim, a crónica. A minha sobrinha Ruth Sónia, que tem 16 aninhos e é a melhor aluna da turma, convidou-me para ir ver um filme português, "Esquece tudo o que te disse". Como eu até tinha o sono em atraso, resolvi fazer-lhe companhia. E não é que me trocaram as voltas? O realizador, um moço novo e muito talentoso, chamado António Ferreira, conseguiu manter-me acordado durante os 108 minutos do filme.
Valeu a pena enfrentar o trânsito, a chuva e até a casa de banho do cinema King só para ver o trabalho do António Capelo e da Custódia Galego. António é inesquecível no papel de Messias, um dentista que na realidade quer é ser ilusionista; Custódia é Felizbela, uma dona de casa burguesa e frustrada, que só procura um pouco de paixão na sua vida. Juntamente com Amélia Corôa (Bárbara), uma adolescente com tendências piromaníacas, fazem um triângulo muito pouco amoroso. Se metermos neste saco um velho simpático mas um pouco tarado, um bode com problemas de afirmação sexual e um jovem chamado Pankas, que leva sempre tudo até ao fim (especialmente os orgasmos), temos uma daquelas comédias dramáticas que no fim deixam um sabor agri-doce. Tão agri-doce que até há uma cena num restaurante chinês.
A minha sobrinha tem uma teoria para explicar o nome do filme. O realizador começou por estudar cinema em Portugal e depois foi fazer o mesmo em Berlim. A primeira coisa que os professores alemães lhe recomendaram deve ter sido: "Esquece tudo o que te disseram". Eu não sei onde é que a miúda vai buscar estas ideias.
O filme tem alguns dos mais divertidos diálogos escritos cá na terra. "Não é cabra ? é bode", uma frase repetida a toda a hora, vai ficar para a posteridade ao lado do "Ó Evaristo, tens cá disto?". Apesar disso, "Esquece tudo o que te disse" parece ser um daqueles filmes que misteriosamente se escreveram a si próprios. Pelo menos a julgar pelo seu site na Internet - andei lá às voltas e não encontrei nem uma vez o nome do argumentista César Santos Silva...
Está claro que nem tudo é perfeito. O António Capelo não precisava de se despir completamente na cena do consultório; a Amélia Corôa tem uns anitos a mais para fazer de adolescente problemática; e o incêndio que ela ateia em casa dos pais faz lembrar vagamente os churrascos que o meu cunhado Elias organiza aos domingos.
Mas o único problema sério do filme é ser acerca de um tio que se apaixona pela sobrinha incendiária (incendiária em sentido real, não em sentido Bárbara Guimarães) e acaba literalmente por baixo dela. Aliás, essa deve ser a posição favorita do realizador - sempre que há sexo no filme, é com a mulher por cima. Quando saímos da sala a minha sobrinha Ruth Sónia começou a lançar-me uns olhares lúbricos. Eu preferi fingir que não entendia, mas logo que chegámos a casa fui esconder os fósforos, pelo sim pelo não. Ou, como nós dizíamos lá em Hollywood, "by the yes by the no".
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JOHN SNOWS, EX-NAMORADO DAS ESTRELAS DE HOLLYWOOD
John Snows é o pseudónimo escolhido por João Neves, um talentoso actor português que fez uma longa e marcante carreira como figurante em Hollywood.
A sua estreia foi como um dos homens-macaco nas cenas iniciais de "2001: uma odisseia no espaço"(1968), mas acabou por ser cortada por questões sindicais. Podemos vê-lo também (se estivermos realmente atentos) em cenas de filmes como "O Padrinho"(1972), "Taxi driver" (1976), "Guerra das estrelas"(1977) - onde esteve quase a ser escolhido para o papel de Chewbacca - e muitos outros.
Ao longo dessa fulgurante carreira catrapiscou muitas candidatas a actrizes, actrizes e até algumas estrelas de Hollywood. Como prova disso tem uma caixa cheia de fotografias (John com M.S., John com K.B., John com M.P., John com D.H., etc...), que ele mostra com orgulho, e inúmeras histórias, que conta com todos os detalhes picantes a quem tenha a paciência de o ouvir.
John Snows tem hoje mais de 30 e menos de 56 anos e vive com uma irmã, o cunhado e um monte de sobrinhos e sobrinhas na Venda do Pinheiro ("na segunda casa mais famosa do País", como ele gosta de dizer). Deixou-se de participações em filmes ("um actor deve entrar com ganas e sair com dignidade") mas já propôs à SIC seguir "A casa do Toi" com "A casa do John". Entretanto mata o bichinho do cinema escrevendo crónicas sobre os filmes que vai vendo (ou alugando no vídeoclube).
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